O jeito de olhar espaços e rearranjá-los trocou as terras brasileiras pela Itália com a chegada de Mônica Matarazzo, que conseguiu seu espaço na “Meca” do design mundial. A designer paranaense de Formosa D´Oeste, Mônica Matarazzo, de 45 anos, conseguiu vencer no Velho Mundo, estabeleceu-se em Seriate, província de Bérgamo, que fica a 50km de Milão, a capital mundial do bom gosto, onde abriga grandes marcas da moda e escolas renomadas como o IED – Istituto Europeo di Design Milan, que oferece diversos cursos e até graduações na área.
Vivendo sozinha na Itália, com o seu cachorro “Fábio”, um Basenji, o cão adorado pelos faraós do Egito Antigo, Mônica conseguiu construir uma carteira de clientes para execução de diversos projetos em terras italianas.
Porém, antes de conseguir adentrar num mercado competitivo, Mônica teve de ter um encontro consigo mesma. A aventura de sucesso na Europa só foi possível quando a designer se aceitou como uma pessoa trans, que estava se sentindo inadequada no corpo masculino e, aos 17 anos, percebeu que para sua caminhada na vida ter sentido e ser uma pessoa plena, teria de encarar o maior desafio de sua vida: dar o primeiro passo rumo à mudança física e emocional que faz da Mônica, uma profissional requisitada num dos centros de designer mais competitivos do mundo. Detalhe: Mônica é autodidata.
“Eu decidi ser a Mônica quando tinha 17 anos. Claro que no início não foi fácil, pois não queremos aceitar, mas o desejo pela mudança para ser quem você é foi mais forte. Lógico que o preconceito da sociedade a vergonha e o constrangimento de encontrar as pessoas na rua tinha, mas sempre lidei de forma tranquila, pois nunca fui uma pessoa que se expôs, pois preservo minha privacidade, sempre quieta no meu canto. Demonstrar naturalidade com a mudança me ajudou a ser respeitada como Mônica, porque nunca dei motivos pra que o respeito faltasse comigo”,disse a designer.
Com o impacto inicial de mudança de identidade de gênero, Mônica conseguiu lidar com a dificuldade familiar, certamente a mais intensa, pois o entendimento é mais limitado de como alguém possa se identificar emocional e fisicamente com o gênero oposto. Hoje, ela conta com mais serenidade, mas os dias que se seguiram com o desejo de mudança revelado à família foram tensos e intensos. Mas, com um final feliz.
“A relação com minha família sempre foi de muito respeito e acredito que somente as pessoas mais idosas lembrem de mim como garotinho. Tinha medo do meu pai, pois eu furei as orelhas, deixe as unhas crescerem, tinha o cabelo grande já, mas raspado na nuca para ele não perceber. Mas, ele acabou descobrindo. E sim, foi doloroso para ele, pois nenhum pai está preparado para esse tipo de mudança. Hoje em dia, tem mais tolerância, mas mesmo com a cabeça dos pais de hoje sendo melhor, sei que eles não querem. Nasci Mônica aos 17 anos e já uso o meu nome social bem antes da lei que vigora hoje no Brasil. Sempre os visito e já há uma relação mais tranquila, pois sabem do meu trabalho e do que conquistei longe dali da minha cidade”.
Do Paraná para a Europa – Surge uma designer
Se a mudança de gênero foi o rompimento de Mônica com sua origem biológica, sendo o maior passo da vida, a busca por seu espaço profissional e pessoal seria sua nova batalha. Com apenas 19 anos, Mônica deixou Londrina, onde morou boa parte da vida de criança e adolescente, e rumou para o Velho Continente, carregando sonhos, conquistas e adaptação ao seu novo ser. com o qual se identificava de verdade.
“Cheguei à Europa em 1993 na Suíça, na França e comecei a trabalhar em casas de shows, os antigos cabarés. Pouco tempo depois busquei minha regularização e consegui a documentação e me estabeleci na Itália, onde vivo até hoje. Trabalhei muito, e fui conquistando meu espaço. Foram tempos de luta”, contou.
Na sequência de sua vida europeia, ela foi criando relações e até que um dia, numa prosa com um amigo, que tinha uma loja de roupas masculinas, que era toda branca e sem vida, na visão dela, o ajudou a modelar o local, prestando sua primeira consultoria, ainda que informal e sem receber pelo trabalho. Depois pediram a opinião de Mônica sobre a arrumação do espaço e troca de imóveis. A habilidade que já demonstrava desde jovem, de rearrumar ambientes, decorá-los, ganhou vida e uma nova atividade surgiu.
“Eu nunca estudei, nunca tive um ensino formal, não sou formada. Mas, sempre tive essa aptidão de querer ver minha casa diferente. Fazia isso desde jovem. Já na Itália, depois que eu comprei uma casa e estava reformando-a, me pediram para ajudar na reforma de outras casas, na escolha dos móveis, papéis de parede, uma tendência por aqui, e quem eu ajudei gostou do resultado, gerando o boca a boca e começaram a me pagar por isso. Assim, foi o meu começo neste trabalho”, explicou.
A habilidade natural de Mônica começou a chamar a atenção de mais pessoas, que foram em busca de seus préstimos profissionais, consolidando o trabalho como designer, que de uma ajuda informal, tornou-se requisitada não só na escolha de materiais para decoração, mas até no uso do espaços dos lares italianos. Ela faz diversas pesquisas para cada projeto e tornou o designer de interiores na sua principal atividade, gerando respaldo e respeito.
“Eu sempre fiz tudo sozinha na minha casa. E a procura das pessoas pelo meu trabalho aumentou, pois vi que estava sendo valorizada e receber por aquilo foi algo muito gratificante. Fiz inclusive alguns trabalhos no Brasil, e claro, na minha casa é a minha ‘bagunça’, pois sempre tenho algo para ser modificado”.
Fama além de Seriate
O trabalho de Mônica Matarazzo ganhou corpo a ponto de ser bem recebido em Parma, Bérgamo e outros pontos da Itália. Tudo isso graças à sua percepção espacial dos ambientes que visita. O boca a boca positivo gerou novas oportunidades de trabalho em casas, principalmente, que pediam consultoria a ela, mas na sua volúpia por mudança, já “queria quebrar uma parede”, como disse em tom de brincadeira.
“Eu fiz alguns trabalhos em Parma, em outras cidades, além de Seriate e Bérgamo, que viram meus trabalhos nas casas e pediam consultoria. Ao chegar para avaliar o projeto, já queria quebrar as paredes, rebaixar o teto, mudar as cores, tudo. E as pessoas acabam acatando minhas ideias. Mesmo com muitas pessoas com formação tradicional, eu sempre tento oferecer algo diferente, além do tradicional e óbvio. O bom mesmo é fazer algo que represente aquilo que você gosta e que seja de bom gosto”.