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Novo Enem deve ter a cara do antigo vestibular

Estudantes na entrada das provas do Enem: novo modelo que deve ser adotado em 2024 prevê que a produção de texto ganhará ainda mais importância (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 3/11/19)

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tomará outros rumos em 2024, quando o novo ensino médio estiver plenamente implementado em todas as escolas brasileiras. Mesmo com parecer já emitido pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) e os primeiros contornos da proposta revelados, nada ainda está definido. Pelo contrário, esses são os primeiros passos de um longo debate, ofuscado pelas apurações sobre desvios e corrupção no Ministério da Educação (MEC).

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tomará outros rumos em 2024, quando o novo ensino médio estiver plenamente implementado em todas as escolas brasileiras. Mesmo com parecer já emitido pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) e os primeiros contornos da proposta revelados, nada ainda está definido. Pelo contrário, esses são os primeiros passos de um longo debate, ofuscado pelas apurações sobre desvios e corrupção no Ministério da Educação (MEC).

TÉCNICO

Para estudantes que optaram pelo curso técnico em seu itinerário formativo, o MEC pretende sugerir uma tabela de ponderação. O secretário de Educação Básica do MEC, Mauro Rabelo, ressalta que a existência de 215 cursos técnicos no país em 13 eixos tecnológicos impede a formação de blocos de área de conhecimento específicos. Por isso, nesses casos, estudantes que seguirem a graduação de acordo com seu curso técnico poderiam ter um bônus na nota.

“A nota terá uma ponderação de acordo com a aderência da formação técnica ao curso superior pretendido. É uma proposta para valorizar a formação técnica de quem de fato quer ir para educação superior também”, afirma  Rabelo. O MEC ressalta que vai preparar tabela sugestiva de ponderação.

Ninguém discute que é preciso adequar o processo à nova realidade do ensino médio. Resta saber como fazê-lo e como aparar pontas atualmente soltas. Professor emérito da UFMG, José Francisco Soares, ex-presidente do Inep e doutor em educação, é enfático: “A seleção não pode impedir a formação, como ocorre hoje. O Enem exige que o aluno saiba tudo sobre tudo. Ou seja, saber algo muito superficial sobre muita coisa. É preciso conhecimento sobre elementos que caracterizam a formação”, afirma.
“A seleção, que já é complicada, tem que ter a cara da universidade. Diferentes projetos podem ter diferentes demandas. E o melhor é que diferentes projetos colaborem entre si, porque a seleção impacta em tal maneira a formação que se eu doso de forma errada a seleção, inviabilizo a formação”, pondera.

Acredito que agora haverá mais habilidades na primeira fase e, na segunda, essa estrutura caminhe para um equilíbrio entre habilidades e conteúdos

Marcos Raggazzi, diretor-executivo das unidades escolares do grupo Bernoulli

MAIS PODER PRAS UNIVERSIDADES

Num Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em duas fases, as notas da segunda etapa poderão ter papel decisivo para carimbar o acesso à graduação. Isso porque vários cenários têm sido desenhados para deixar universidades, faculdades e centros universitários com caminho livre para a seleção de seus calouros. No modelo apresentado pelo Ministério da Educação (MEC), as instituições de ensino superior terão prerrogativa de fixar nota mínima para a primeira etapa e para a redação para o ingresso em seus cursos. Também lhes será facultada a atribuição de pesos diferenciados aos blocos da segunda fase.
Não é a primeira vez que o Enem passa por transformações. Em 2009, quando o exame se expandiu como porta de acesso à graduação, passou a cobrar dos alunos, para além de habilidades, um nível de conhecimento maior dos conteúdos das áreas, como forma de contemplar uma exigência das universidades federais. “Acredito que agora haverá mais habilidades na primeira fase e, na segunda, essa estrutura caminhe para um equilíbrio entre habilidades e conteúdos”, afirma o diretor-executivo das unidades escolares do grupo Bernoulli, Marcos Raggazzi.
O professor emérito da UFMG José Francisco Soares lembra que resolução do CNE diz que universidades podem escolher só a primeira etapa como forma de seleção. “Muitos cursos, como administração, poderiam ter alunos escolhidos nessa modalidade sem dificuldade, permitindo às universidades terem uma segunda etapa menor. A UFMG tem alguns cursos muito competitivos, como ciências da computação, nos quais dois ou três candidatos por vaga poderiam ir para a segunda fase”, diz. Ele rechaça a ideia do critério de peso nas notas, preferindo a mobilização de conhecimentos e habilidades.
O doutor em educação defende a participação das universidades e a aplicação de provas em consórcio, de forma que alunos não aprovados não precisem repetir a primeira fase – o que geraria economia na aplicação do exame. “O mais importante é que as universidades venham, se comprometam e não ponham a dificuldade técnica como dificuldade de o jovem desenvolver algo fundamental, que é a capacidade de escrever e raciocinar.”
Ele ressalta a importância de questões abertas na segunda etapa, uma vez que a formação “não pode ser de múltipla escolha”. “Decisões da seleção devem ser tomadas cuidadosamente: ênfases são importantes, mas também a forma. Precisamos de questões abertas, porque isso gera rotina pedagógica na formação”, destaca. Para Soares, o passo demorou a ser dado e precisa ser ampliado.

O professor defende protótipos de modelos, discussões em cima de casos concretos junto com ONGs, escolas, secretarias e estados para que um grupo limitado de pessoas não tome as decisões. “A ideia da primeira etapa é boa e necessária, porque permite ao ensino médio se organizar para a formação do estudante sem ser violentado pela seleção. Falta, entretanto, muita clareza. Se o país fosse sério, não existiria audiência pública sem um protótipo.”

VESTIBULAR

Marcos Raggazzi compara o novo ensino médio aos cursos de uma universidade, com suas disciplinas obrigatórias, opcionais (do próprio curso) e eletivas (possíveis de serem feitas em outros cursos). Para ele, sem uma primeira fase no Enem, impossível medir o que o aluno desenvolveu verdadeiramente em relação à base. E sem a segunda, perde-se em sentido. “Em duas fases, o exame valoriza a BNCC e os itinerários formativos.”

Mas, mesmo se o novo Enem tem a cara dos vestibulares, Raggazzi chama a atenção para uma diferença crucial: o antigo modelo de seleção era associado apenas aos conhecimentos das disciplinas, e não às habilidades, o que é priorizado no Enem atual e será também o foco da avaliação no futuro. “Conteúdo é apenas um meio pelo qual se consegue inferir as habilidades dos alunos. Inferir, relacionar, comprar, deduzir, extrapolar, tudo isso pode ser medido. Há hoje uma matriz que fala das habilidades e será feita uma nova, com a estrutura da BNCC e dos itinerários.”

Questões discursivas são outro ponto importante, mesmo se a escala de aplicação de provas remonta a milhões de alunos, o que implica adaptações na correção – contratação de grande número de pessoas ou desenvolvimento de inteligência artificial. “O aluno terá que demonstrar habilidade de encadear ideias.”

Matéria do Jornal Estado de Minas

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